Em 2024, a trajetória feminina em Mato Grosso do Sul foi marcada por conquistas históricas e desafios persistentes. De direitos garantidos, como o avanço na representatividade política, até questões que colocaram em xeque a autonomia das mulheres, como o acesso ao aborto legal, o ano expôs as falhas de um Estado que, embora avance, ainda carrega retrocessos.
Na política, o protagonismo feminino ficou evidente. Adriane Lopes tornou-se a primeira mulher eleita prefeita de Campo Grande, enquanto o número de prefeitas em Mato Grosso do Sul mais que dobrou em relação a 2020, passando de 5 para 12. Contudo, a sub-representação ainda se fez presente na Câmara Municipal de Campo Grande com apenas duas mulheres eleitas para as 29 cadeiras que compõe a Casa de Leis.
O esporte e as artes tiveram seus momentos de destaque em 2024. Pela primeira vez, uma atleta paralímpica de Mato Grosso do Sul, Erika Cheres Zoaga, conquistou medalha de prata nas Paralimpíadas. No meio musical, a cantora Ana Castela também fez história ao vencer um Grammy e se consagrar como a cantora feminina mais ouvida do Brasil.
31 mulheres mortas por questões de gênero
No âmbito da violência de gênero, os 32 casos de feminicídio registrados reacenderam o debate sobre a eficácia das políticas de proteção às mulheres. Apesar do anúncio de ampliação da Casa da Mulher Brasileira nas cidades de Dourados, Corumbá e Ponta Porã, a escalada de casos equiparou o número de mortes violentas ao total registrado em 2023, 32 mortes, antes mesmo do ano terminar.
À frente da SSPMS (Subsecretaria de Políticas Públicas para Mulheres) desde janeiro deste ano, a socióloga Manuela Nicodemos Bailosa destaca que os obstáculos e retrocessos enfrentados pelas mulheres em Mato Grosso do Sul estão profundamente enraizados nas construções sociais de gênero e no machismo patriarcal.
“Como gestora e socióloga, observo um aprofundamento do machismo patriarcal e da tentativa de controlar a vida das mulheres. Isso é especialmente evidente entre mulheres jovens. Ao dizerem ‘não quero mais me relacionar com você’, estão, muitas vezes, recebendo uma sentença de morte“, afirma.
Manuela aponta que, apesar dos avanços em políticas públicas e na representação politíca, o machismo patriarcal tem demonstrado uma capacidade de se reestruturar ao longo dos períodos históricos para manter o controle sobre o corpo e a vida das mulheres.
O machismo patriarcal se reestrutura a cada período histórico para controlar nossa vida e nossos corpro. Há um elemento social importante nesse cenário, que também define quem vive e quem morre no Brasil”, Manuela Bailosa.
Entre os inúmeros fatos noticiosos de 2024, as mortes violentas de mulheres por questões de gênero estiveram no epicentro das manchetes jornalísticas. Em Mato Grosso do Sul, foram registrados 32 casos de feminicídio ao longo do ano, dos quais nove ocorreram em Campo Grande. Os dados da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) mostram ainda 83 casos de feminicídio tentado.
Feminicídio é definido como qualquer morte violenta de mulheres motivada por questões de gênero, ou seja, pelo fato de a vítima ser mulher. Crimes como esse podem ocorrer em diferentes contextos, incluindo os chamados feminicídios íntimos, praticados por pessoas próximas à vítima, como cônjuges, familiares ou amigos. Também engloba casos em que a motivação está relacionada à discriminação ou à inferiorização do gênero feminino.
Quem têm o direito de nos matar?
Desde 2015, o assassinato de mulheres por questões de gênero é considerado crime hediondo. A mudança ocorreu após a criação da Lei 13.104, conhecida como Lei do Feminicídio, sancionada pelo Governo Federal.
A Subsecretária de Políticas Públicas para Mulheres aponta a dificuldade na tipificação dos crimes contribui diretamente para a subnotificação dos casos. Essa realidade torna desafiador determinar se houve, de fato, um aumento no número de mortes ou se o aparente crescimento reflete a redução na subnotificação.
“Não existe apenas o feminicídio íntimo. Um crime de feminicídio ocorrido em janeiro pode ter sua investigação concluída apenas em setembro. Por isso, os dados sobre crimes contra a vida das mulheres, motivados pelo ódio, apresentam grande flutuação, porque nem sempre notificam um crime inicialmente como feminicídio”, explicou.
A implementação de políticas públicas, serviços de denúncia e a ampla divulgação dos meios disponíveis para reportar crimes têm sido fundamentais para empoderar as mulheres e reduzir a subnotificação. Para Manuela Bailosa, essas iniciativas, aliadas a uma legislação que garante direitos como a solicitação de medidas protetivas de urgência, têm aumentado a confiança das mulheres para denunciar situações de violência.
“Desde a criação do Agosto Lilás, idealizado por nós aqui em Mato Grosso do Sul e que hoje integra o calendário nacional, percebemos que as mulheres estão se sentindo mais seguras para buscar ajuda e fazer denúncias”, destacou.
Conforme a subsecretária, essa perspectiva, construída em parceria com o Observatório da Cidadania, reforça que campanhas educativas são ferramentas indispensáveis para a prevenção de crimes, pois promovem a conscientização e acesso a direitos.
Fonte: Midiamax