Dez anos após o rompimento da barragem de Fundão, o Brasil avança em políticas de reparação com foco em meio ambiente, saúde pública e comunidades tradicionais, investindo R$ 12 bilhões no SUS e ampliando áreas de proteção na bacia do Rio Doce.

Por Karol Peralta
Uma década após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), o Brasil dá um novo passo rumo à reconstrução ambiental e social da bacia do Rio Doce. Por meio do Novo Acordo do Rio Doce, homologado em novembro de 2024, o governo federal implementa uma agenda de reparação sustentável, com foco em preservação ambiental, saúde pública e fortalecimento das comunidades tradicionais.
Recuperação ambiental e criação de áreas protegidas
A agenda ambiental é um dos pilares do Novo Acordo do Rio Doce, com medidas que unem ciência e sustentabilidade. Em junho de 2025, foi criada a Área de Proteção Ambiental (APA) da Foz do Rio Doce, no Espírito Santo, com 45 mil hectares voltados à conservação de ecossistemas costeiros e marinhos. O espaço abriga espécies ameaçadas, como a tartaruga-de-couro, a toninha e a baleia-jubarte.
A criação da APA promove o ordenamento territorial, conciliando preservação e desenvolvimento sustentável, além de reforçar a governança ambiental nas regiões impactadas pelo desastre de 2015.
Monitoramento da água e biodiversidade aquática
Entre as ações estruturantes, o Programa de Monitoramento Quali-Quantitativo Sistemático (PMQQS) mantém a vigilância permanente da qualidade da água e dos sedimentos da bacia do Rio Doce, com dados em tempo real. Já o Programa de Monitoramento da Biodiversidade Aquática (PMBA) se consolidou como o maior mapeamento ambiental do Brasil, abrangendo as porções dulcícola, costeira e marinha do sistema Rio Doce — do norte do Espírito Santo ao sul da Bahia.
Esses programas são coordenados pelo ICMBio, em parceria com o Ibama, a Agência Nacional de Águas (ANA) e outras instituições federais, garantindo rigor técnico e validação científica dos indicadores ambientais.
As ações contemplam também as Unidades de Conservação federais afetadas, como a APA Costa das Algas, o Refúgio de Vida Silvestre de Santa Cruz, a Reserva Biológica de Comboios e o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, reforçando a proteção da biodiversidade marinha e fluvial.
Saúde pública e investimentos no SUS
O Programa Especial de Saúde do Rio Doce é um dos eixos centrais da reparação, com R$ 12 bilhões em investimentos para modernizar e ampliar a rede do Sistema Único de Saúde (SUS) nos 49 municípios afetados (38 em Minas Gerais e 11 no Espírito Santo). O valor é 160 vezes maior do que o previsto na proposta original, de R$ 750 milhões.
Desse total, R$ 825,7 milhões serão repassados diretamente aos Fundos Municipais de Saúde, com execução pelo Fundo Nacional de Saúde. Em 2025, R$ 562,6 milhões já foram transferidos, e outros R$ 263 milhões estão previstos para 2026.
Entre as obras previstas estão 51 Unidades Básicas de Saúde (UBS), 34 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), 8 Policlínicas e 11 Unidades de Pronto Atendimento (UPA).
Projetos estruturantes e hospitais de referência
O Hospital Universitário de Mariana (MG) será um dos marcos do novo ciclo de reconstrução. Com R$ 200 milhões em investimentos, o hospital será referência em atendimentos de média e alta complexidade, com centro cirúrgico, UTI e diagnóstico por imagem, além de atuar em pesquisas sobre saúde pública e ambiental.
Outro projeto relevante é o Hospital Dia de Santana do Paraíso (MG), com R$ 20 milhões em investimentos. A unidade atenderá casos de baixa complexidade, oferecendo cirurgias ambulatoriais, exames e tratamentos, ampliando o acesso da população à rede de saúde.
Segurança hídrica e centros de pesquisa
Após a contaminação das águas provocada pelo rompimento da barragem, o governo implementa uma rede permanente de vigilância em saúde e qualidade da água. Em Governador Valadares (MG), será instalado o Centro de Referência das Águas, com R$ 20 milhões de investimento, voltado a análises, pesquisas e suporte técnico.
Além disso, três Centros de Referência em Exposição a Substâncias Químicas serão criados em Mariana, Governador Valadares e Espírito Santo, com aporte inicial de R$ 30 milhões. A Rede de Pesquisa em Saúde do Rio Doce, coordenada pela Fiocruz, receberá R$ 80 milhões para estudos sobre impactos epidemiológicos e ambientais.
Povos e comunidades tradicionais
O Novo Acordo do Rio Doce reconhece a importância das comunidades tradicionais na preservação e reconstrução da bacia. O plano destina R$ 7,8 bilhões para ações que garantam direitos, segurança alimentar e autonomia econômica a quilombolas, indígenas e pescadores.
Entre as primeiras medidas, o governo garantiu o pagamento do Auxílio Financeiro Emergencial (AFE), que já beneficiou comunidades de Povoação (ES), Santa Efigênia (MG) e Sapê do Norte (ES), totalizando mais de R$ 785 milhões.
Além disso, R$ 198 milhões foram destinados à contratação de Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) para os territórios de povos e comunidades tradicionais, assegurando participação direta e acompanhamento técnico especializado nas decisões de reparação.
Reconstrução com participação social
Com um total de investimentos bilionários e foco em transparência, sustentabilidade e inclusão social, o Novo Acordo do Rio Doce busca transformar uma das maiores tragédias ambientais do país em um modelo de reparação participativa.
Mais do que restaurar o meio ambiente, o programa pretende reconstruir vidas e fortalecer o futuro sustentável das comunidades que dependem do Rio Doce.





